Charlotte sentou-se na pequena mesa redonda do café, abriu seu Moleskine novinho, tão recém comprado que sua capa chegou a fazer um leve som de folha seca quando foi violado. Dobrou cuidadosamente a lombada do caderno aberto, pegou sua também nova caneta Lamy e começou a desatar, um por um, os nós de sua vida naquelas folhas:
Hoje eu descobri o que quero da minha vida. Quero alguém que me olhe bem nos olhos enquanto, cuidadosamente, tira um fio de cabelo rebelde que se balança no meu rosto. Nada é mais romântico do que um homem que afasta um fio de cabelo que o está atrapalhando em sua silenciosa contemplação da amada.
Se você acabou de ler as palavras acima e pensou com toda a sua piedade: "pobre alma, nunca teve alguém que tirasse os cabelos de seu rosto", pode desfazer sem medo a expressão de dó. Sim, eu já tive alguém para afastar um fio de cabelo do meu rosto, mas vou me explicar melhor, talvez eu tenha deixado passar uma palavra. Veja bem, eu quero alguém que me olhe bem nos olhos enquanto, cuidadosamente, tira um fio de cabelo rebelde que se balança no meu rosto durante toda a minha vida. Não para sempre, nem eternamente, mas por muito tempo. Alguém que tire um fio de cabelo do meu rosto mesmo quando eu estiver dormindo. Porque se você tem alguém ao seu lado que é capaz de tirar um fio de cabelo pousado rebelde sobre o seu rosto, mesmo que você não esteja vendo, nem se incomodando com ele, isso quer dizer que essa pessoa vai estar ao seu lado em qualquer situação sem que você precise pedir. Essa pessoa vai te guardar, vai cuidar de você sem que você saiba. Essa pessoa vai fazer de tudo para que você seja feliz, e quando ela não puder fazer nada, vai orar por você.
É esse tipo de pessoa que quero do meu lado.
Descobri que sim, quero viver um grande amor. Que sim, eu quero casar. Que sim, eu quero ter um ou dois filhos, e se for dois, de preferência gêmeos, mas que vou amá-los da forma que Deus me der. Que sim, quero ter uma casa bonita na praia. Sim, quero escrever um livro nas montanhas. E sim, quero que meu amor seja o primeiro a receber uma cópia.
Mas eu não quero isso porque as pessoas devem querer isso.
Quero que aconteça com a pessoa que faça meu coração bater tão forte que eu precise fazer um esforço descomunal para que ele não saia da minha boca e fique pulsando compulsivamente na minha mão enquanto tento inutilmente fazê-lo se acalmar. Quero que quando essa pessoa toque em apenas um das centenas de milhares de fios da minha cabeça, um arrepio percorra a minha espinha até a ponta dos meus dedos do pé. Quero que cada palavra que saia da boca dessa pessoa seja como uma doce melodia que entre pelos meus ouvidos e não saia por lugar nenhum.
Eu não tenho pressa.
Hoje também aprendi que paciência e perseverança são minhas palavras.
Com a paciência vou conseguir deixar Deus agir.
A perseverança é para não deixar nas mãos de Deus, que já tem tanto trabalho nesse mundo, toda a responsabilidade sobre o meu destino, já que o livre-arbítrio é meu. Porque eu sei que o maior esforço pela minha própria vida tem que vir de mim. Porque Deus não gosta de trabalhar sozinho.
Deus gosta que falemos com Ele como amigos: Senhor, fiz minha parte, interceda ao meu favor.
E Deus gosta que falemos com Ele como filho: Pai, só o Senhor que me deu a vida pode me ajudar.
Por isso vou tentar mantê-las, essas duas palavrinhas, o mais perto possível. Vou vigiá-las e amá-las como minhas filhas.
É a paciência que vai me dizer quando ele vai chegar.
Talvez esteja só tomando um café na padaria mais próxima e volte assim que a xícara ficar vazia.
Ou talvez esteja em uma longa viagem e ainda precise atravessar muitas cidades até chegar.
Mas, rápido ou lento, ele faz seu caminho.
Será moreno ou loiro?
Alto ou baixo?
Faz academia ou prefere ficar sentado lendo um bom livro e comendo um pedaço de pizza?
Será que ele gosta de vinho?
Ou é do tipo que prefere cerveja?
Será que torce para algum time ou prefere F1?
Será que já leu muitos livros que li?
Será que ele gosta de novela?
Será que assistia a Friends?
Será que ele é o tipo de homem que abre a porta do carro para uma mulher, ou acha isso excesso de feminismo?
Será que ele acha antiquado pagar o cinema?
Será que sonha em ter um filho?
Será que a família dele é bem estruturada?
Será que a mãe dele vai gostar de mim?
Será que eu vou gostar dela?
É, realmente hoje foi um dia bem cheio, pensou Charlotte ao arrancar friamente a folha do Moleskine.
Dobrou-a ao meio e depois ao meio de novo. Pagou seu brigadeiro e saiu do café, deixando para trás aquela folha para o leitor que o destino lhe desse.
tocam o coração porque foram escritas de alma...
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